- Nº 1528 (2003/03/13)

Novas ameaças<br> aos direitos das mulheres

Opinião
Este 8 de Março - Dia Internacional da Mulher - teve a particularidade de decorrer num quadro político em que, pela primeira vez em 28 anos da sua comemoração em democracia, existe o perigo de profundas alterações aos direitos das mulheres legalmente consagrados.

Os conteúdos expressos no chamado Pacote Laboral (em discussão na AR), na Lei de Bases de Segurança Social (em fase de regulamentação) e na Lei de Bases de Família (projecto-lei do CDS-PP aprovado na generalidade) convergem, de forma meticulosamente articulada, com a tentativa de institucionalizar na lei mecanismos de desigualdade das mulheres e perpetuar a sua discriminação no trabalho, na família, na vida social e política.

O Pacote Laboral e sua restrição de direitos económicos e sociais ferem gravemente os direitos das mulheres, «ajustando» ainda mais a sua mão-de-obra às «necessidades» do mercado - a tempo inteiro, a tempo parcial ou relegando-a para casa.

A actual maioria PSD/CDS-PP aposta em instituir na lei regressões, quer na concepção de família consagrada na Constituição da República, quer relativamente ao direito à igualdade da mulher enquanto cidadã, trabalhadora e mãe. Destacam-se o retorno a concepções que, explícita ou implicitamente, institucionalizam que é a família que deve assumir todas as funções sociais - libertando o Estado e as entidades patronais das suas responsabilidades específicas - e na qual se pretende a perpetuação da tradicional divisão sexual de papéis entre mulheres e homens; e a eliminação de importantes direitos consagrados relativos à promoção da função social da maternidade-paternidade.

Para além destes objectivos, que terão consequências no presente e no futuro, fomenta-se a «fatalidade» de, em momentos de «crise», as mulheres serem relegadas para casa e para o desemprego, pagando a pesada factura pelos despedimentos que têm tido lugar, retirando do horizonte a possibilidade de muitas voltarem a ter emprego e criando dificuldades acrescidas às jovens. E isto numa lógica de perpetuação da «inevitabilidade» da mulher ser o alvo especial da precariedade, do desemprego, dos baixos salários e das discriminações.

Assiste-se, entretanto, a uma tentativa do Governo de «fazer caminho» na transferência, por via do Estado, de concepções que contrariam direitos civilizacionais presentes no nosso País e seguidos pelas instâncias internacionais.

Desencadeando uma das mais graves ofensivas aos direitos das mulheres pós-25 de Abril, a actual maioria PSD/CDS-PP promove as mais hipócritas preocupações de defesa das famílias e direitos das mães-trabalhadoras. Neste sentido, a comemoração deste 8 de Março foi um bom exemplo a propósito da violência doméstica. Só que o Primeiro Ministro e o seu Governo limitaram-se a enunciar o problema, muito embora a sua gravidade imponha maiores obrigações: precisão de objectivos, medidas concretas e, sobretudo, meios financeiros e humanos que vai disponibilizar para esse combate. E, quanto a este aspecto fulcral, o Governo nada adiantou.

Perpetuar a divisão sexual de papéis

Ao longo dos anos, e em resultado da ausência do cumprimento de direitos legalmente consagrados, foram-se acentuando fragilidades na situação das mulheres que, no actual contexto político, não podem ser subestimadas.

A crescente integração da mulher na vida activa fundamenta-se, cada vez mais, como um direito à realização pessoal em vários domínios que ultrapassa meramente a actividade profissional e a abertura para a vida social. Contudo, assiste-se à persistência da desigual distribuição pelas actividades profissionais e níveis hierárquicos entre mulheres e homens; à sua forte concentração em profissões desqualificadas; a baixos salários e discriminações salariais mesmo em sectores onde a sua mão-de-obra é predominante; e à dificuldade em aceder a funções profissionais predominantemente masculinas. Acresce a tradicional divisão sexual do trabalho familiar, atribuindo à mulher especial papel enquanto prestadora de cuidados em casa e para a família: trabalha mais três horas por dia em tarefas familiares e despende mais duas horas por dia no conjunto da actividade profissional e da vida familiar. A tudo isto, soma-se a forte penalização em função da maternidade, pela falta de assunção de responsabilidades e cumprimento dos seus deveres quer das entidades patronais, quer do Estado - responsável pela baixa taxa de cobertura ao nível dos equipamentos de apoio à infância e à ocupação dos tempos livres das crianças e dos jovens. E porque, «culturalmente», são mais responsáveis pelo bom funcionamento das famílias, são elas quem mais sentem as pressões, directas e indirectas, entre as exigências educativas dos filhos e as exigências das entidades patronais.

O que está em causa é o retrocesso nos direitos legalmente consagrados, o que, a concretizar-se, reflectir-se-á, negativamente, nos ciclos da vida de cada mulher: da menina à mulher, da adolescente à idosa. Por isso, torna-se indispensável uma mais alargada denúncia destes perigos, transformando-os numa forte razão de luta e de intervenção das mulheres.

Fernanda Mateus